Desde criança meus pais sempre
colocaram na minha cabeça que eu tinha que estudar muito, para arrumar um
emprego descente e ser alguém na vida. Eu, como tinha nascido para a arte,
sempre houve problemas em casa por conta disso. Arte e artista nunca foram bem
vistos, sempre foram sinônimos de miséria e um futuro desgraçado.
Eu sempre quis ter um violão, mas
isto sempre me fora negado. Os livros usados de filosofia que eu conseguia
comprar em sebos, minha mãe mandava jogar fora. Filosofia era outra coisa para
vagabundos e para pessoas com o futuro desgraçadamente comprometido.
Minha mãe só queria que eu
estudasse as matérias da escola e tinha que tirar 10 em todas! Quando eu tirava
8, ela reclamava. Quando eu a questionava sobre suas notas na escola, ela dizia
que não estava falando do seu passado e que só queria saber do meu futuro.
Para não ter discussões
intermináveis na minha casa, eu me matava de estudar para tirar as melhores
notas. Quando terminei o segundo grau, estudei igual a uma condenada para
passar no vestibular. Não saia para baladas, não namorava (minha mãe não
permitia), não me divertia, nem na rua eu colocava os pés. Passei no
vestibular, depois entrei para a faculdade. Estudava, estudava e estudava,
sempre para tirar as melhores notas e agradar minha mãe. Já a esta altura,
quando eu comentei em casa sobre comprar um violão, minha mãe fez o maior
escândalo do mundo: Dizia que não era possível que naquela altura em que eu
estava prestes a me tornar gente, eu iria jogar tudo para o ar e entrar na
vadiagem, na subversão, no mundo da música, dos artistas-passa-fome e
desprezados pela sociedade. Não comprei o violão e passei a noite toda
chorando. Não era justo eu viver para estudar e não ter um meio se quer de
diversão.
Finalmente chegou o dia da
formatura: Nunca tinha visto minha mãe tão feliz na minha vida; ligava para
todos os parentes, amigas, vizinhos, mendigos da rua e etc.
Tirou infinitas fotos da minha
formatura, a ponto de entupir dois cartões de 2GB memória de.
Arrumei um bom emprego, porém o
trabalho era de muita responsabilidade, o que obviamente me consumia muita energia
e me causava estresses. 12 horas de trabalho por dia. Eu ganhava muito bem, mas
nada compensava a minha insatisfação, minha adolescência perdida para agradar
minha mãe, a minha verdadeira vocação jogada no lixo em prol de um sistema
capitalista maldito, por conta de um status desgraçado que só existia na cabeça
da minha mãe e de mais um sem número de alienados. Minha mãe que sempre estava
feliz com esta situação e principalmente com o dinheiro que entrava para a
renda familiar todo fim de mês. Enquanto isso, eu chorava calada todas as noites
sem que alguém soubesse.
Minha mãe reformou toda a casa,
comprou móveis novos, até o safado do meu irmão vivia comprando acessórios para
o carro dele. O dinheiro fazia a alegria de todo mundo, exceto a minha, mas
quem se importava?
Chegava final de semana, eu
estava exausta e dormia o dia inteiro e mesmo quando às vezes eu tinha um
pouquinho de ânimo para sair, com quem eu iria sair? Cadê as amizades que eu
nunca tive por conta de viver para os estudos? No trabalho era um querendo
puxar o tapete do outro.
Fiquei depressiva, mas ninguém
percebia, ou fingia que não percebia! Depois de dois anos nesta rotina de
estresse e tristeza, eu desenvolvi uma gastrite nervosa, que com o tempo virou
úlcera e posteriormente um câncer!
Perdi toda uma vida, por conta da
ganância de uma mãe alienada pelo capitalismo, pelo status quo, assim como a
grande maioria das pessoas o são.
Eu nunca pude fazer o que eu
realmente quis fazer. Só estudei e trabalhei. Não fiz mais nada da vida. Daria
tudo por ter tido uma banda, por ter freqüentado baladas, por ter experimentado
drogas, por ter ficado com vários caras em uma só noite e uma infinidade de
coisas que a maioria dos jovens fazem “por direito” e são recriminados por uma
sociedade careta, fracassada e pseudo moralista.
Desenvolvi ódio por pais
fracassados que depositam seus sonhos em seus filhos. Estou escrevendo aqui do
hospital e nem quero ver a cara da minha mãe.
Que minha história sirva de
exemplo para muitos jovens que se abdicam de seus sonhos que não dão muito
dinheiro, para fazer os gostos dos pais e da sociedade. Estou aqui agora, com
pouca chance de vida e com toda uma vida não vivida. Tudo por causa de um
formato de vida demente que te obrigam a seguir e fazem você acreditar que é o
único e verdadeiro.
Grande parte do estresse mundial é causado por isso mesmo. Gente estudando o que não gosta só pra dar orgulho aos pais.
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